Xangô da Mangueira, Melão e Jamelão: Por Roberto Paulino


Roberto Paulino

Roberto Paulino: Presidente da Estação Primeira 1959/1962 e bicampeão nos desfiles de 1960 e 1961, Baluarte, Presidente de Honra e Jornalista.



Por indicação do Roberto Paulino, fui eleito Baluarte, e em reunião do Conselho Superior, por minha indicação, o Roberto Paulino foi eleito Presidente de Honra.

Nossa amizade começou na década de 1950, com a sua eleição para Presidente do Grêmio.

Após a sua eleição para o cargo de Presidente de Honra da Estação Primeira de Mangueira, em um encontro que tivemos, passamos a relembrar a nossa vivência na Escola. Nessa conversa, surgiram os nomes destes três baluartes: Jamelão, Melão e Xangô.

Jamelão, Melão e Xangô da Mangueira
Edição/imagens: José Milton
O resultado deste "bate-papo, foi um artigo escrito pelo Roberto, o qual, com a autorização do autor, transcrevo na íntegra abaixo:

Jamelão
(José Bispo Clementino dos Santos)


Os nomes de Jamelão e Mangueira são indissociáveis, se confundem e se misturam. Um dos melhores cantores do Brasil, Jamelão é reconhecido unanimemente como o melhor intérprete de samba-enredo de todos os tempos.

E, por favor, não digam jamais que ele foi um puxador de samba-enredo, Jamelão ficava enfurecido.

José Bispo Clementino dos Santos, o Jamelão, começou sua vida artística em dancings, como a grande maioria dos cantores de sua época. Foi um dos melhores interpretes de Lupicínio Rodrigues.

Jamelão sempre trabalhou muito em shows, em cansativas viagens pelo Brasil. Por isso, muitas vezes, ia a festas da Mangueira e de outras escolas muito cansado.

Depois de algumas – muitas – bebidas e muitos copos de cervejas, cochilava. E o samba continuava. De repente, acordava e entrava imediatamente no samba, no tom perfeito que o caracterizava.

O mais impressionante em Jamelão, além da perfeita afinação melódica, é que não se perdia uma simples sílaba do que cantava.

Aliás, Jamelão tinha muita facilidade para dormir. Xangô contava que tomava os maiores sustos com ele. Os dois voltavam de festas e farras sempre de bonde no estribo.

Eu ficava com o maior medo – contava Xangô – de que numa curva, ele desse com a cabeça num poste; mas justo nessa hora, ele dava uma gingada, acordava e jamais aconteceu coisa alguma.

Além da cara amarrada, de aparente constante mau humor, escondia-se uma pessoa alegre, gozador, de fino e inteligente humor, sempre pronto a brincar, a gozar alguém.

Nos tempos românticos das escolas de samba, quando havia festas, tardes e noitadas de samba em todas elas, a presença de Jamelão era constante, sempre uma estrela bem-vinda e querida.

No dia do desfile – que era apenas no domingo – Jamelão, desde a manhã, saia correndo pelas chamadas co-irmãs, cantando e bebendo, unindo todo mundo, fazendo esquecer as naturais rivalidades. Duas vezes fiz esta peregrinação com ele. E foi muito bom.

Com aquela cara amarrada, sisudo, jeito de poucos amigos o cantor era um sujeito bom, amigo, fiel, bom companheiro, excelente caráter, sicero.

Músico competentíssimo, ele modificou ligeiramente – sempre para melhor – muitos sambas-enredo da Estação Primeira, sem chamar atenção, sem humilhar ninguém. Ele me ajudou muito, a saber ouvir um samba-enredo, analisá-lo, a julgar se era bom ou não para o desfile, em que tom deveria ser cantado, qual o andamento da bateria. Sabia tudo de música, principalmente de samba-enredo.

Melão
(Moacyr de Abreu Castelo Branco)


Melão sabia tudo de carnaval. Na Mangueira fez de tudo, sem jamais cobrar nada. Ao contrário, muitas vezes mexeu no próprio bolso para ajudar.

Foi carnavalesco, aderecista, coreógrafo da Comissão de Frente - quando era representada pela Ala dos Duques. E, que eu saiba, jamais perdeu um ponto sequer.

Foi também coreógrafo e ensaiador da Ala das Baianas, sempre com grande sucesso. Grande figura, Baluarte merecido e insubstituível.

Xangô da Mangueira
(Olivério Ferreira)


Xangô da Mangueira, Olivério Ferreira, Baluarte desde que o grupo honorífico foi fundado por Elmo José dos Santos.

A cara sempre fechada, séria, escondia uma personalidade brincalhona, um homen fino, uma liderança muito forte. Foi com ele que aprendi quase tudo que sei de samba e tudo o que sei de desfile.

Xangô armava a Estação Primeira com incrível facilidade e competência. Dizia-se que Xangô, quando era diretor de harmonia, armava a Estação Primeira com três apitos. E era verdade. Extremamente sério e responsável, não cedia um milímetro quando se tratava do interesse da escola.

Com ouvido musical perfeito, sabia com clareza quando ia mal, quando havia perigo de atravessar, quando uma Ala estava fora do rítmo, quando havia a necessidade de atrasar ou adiantar um desfile.

Xangô na harmonia era garantia de sucesso.

Uma vez, durante um ensaio no Cerâmica, conversávamos no meio da quadra. Num momento a bateria desafinou. Saiu do tom, um horror. Xangô disse apenas, vou dar um jeito nisso. E saiu tranquilo, gingando, em direção à bateria. Parou em frente a ela e apurou o ouvido. De repente, deu um salto para a frente, apontou para um tamborim bem lá no fundo, fez um gesto característico e disse enérgico: "Para".

O tamborim calou-se e a bateria voltou imediatamente ao rítmo certo. Ele descobria um tamborim fora do tom entre dezenas de instrumentos.

Um dos melhores partideiros (cantadores e dançarinos de Partido Alto) de todas as escolas, reconhecido e respeitado em todos todos os lugares, quando Xangô entrava na roda era garantia de que o samba ia até o amanhecer.

Seu porte altivo de Rei Zulu fazia com que Xangô se destacasse durante os desfiles. Deslizava pela passarela e escorria por entre as alas, as baianas inclusive, com seu bastão de comando em riste e com altivez nata.

Dizia tudo sem espalhafato, ao contrário do que é bem comum se ver hoje. Sem gritos. Com gestos suaves, mas firmes e precisos, com energia e sensibilidade, com absoluta eficiência.

Até o fim, quando já desfilava no carro dos baluartes, jamais deixava de dar um volta pela armação da escola, para conferir se tudo estava bem. Era um lider.

Xangô era muito vaidoso, vestia-se com apuro e bom gosto. Preferia o branco ou cores discretas. Era naturalmente elegante, mas na hora do desfile despia-se da vaidade e calçava as sandálias da humildade.

Sempre a Estação Primeira cuidava para que sua fantasia estivesse de acordo com a importância do cargo e dele próprio.

Eram luxuosas, vistosas, mas muitas vezes vi Xangô tirar o casaco, deixar de lado o chapéu para que pudesse evoluir com liberdade e rapidez entre as alas. Mangueira em primeiro lugar.

Xangô era naturalmente muito engraçado. Fazia piadas e inventava palavras, termos novos, sempre com muito humor, para designar situações.

Parangolé, usado por Hélio Oiticica para designar algumas de suas obras, foi inventado por Xangô. Queria dizer engodo, malandragem, conversa fiada.

Enfim, a vida de Xangô não pode ser contada em um artigo. Foi grande demais, importante demais, até o fim, quando se tornara artísta respeitado e homenagiado principalmente por seus colegas.


XANGÔ DA MANGUEIRA, MELÃO E JAMELÃO: POR ROBERTO PAULINO

Cesar Romero e Raymundo Baluarte da Mangueira Mauro Alburquerque Baluarte Gerson Sammartino
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Personalizado por: José Milton A. de Castro |
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